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O violão jobiniano

Postado em Coluna Alessandro Soares em 30/01/2017

O violão jobiniano - foto Tom Jobim

(Tom Jobim)

Por ALESSANDRO SOARES

Foi num violão que nasceu Águas de Março. Debruçado nele, Tom Jobim tomava as primeiras anotações num papel de embrulho de pão. Estava numa casinha de pau-a-pique, apelidado de Barraco 2, num lugar chamado Poço Fundo, no estado do Rio de Janeiro, onde costumava passar finais de semana, enquanto sua casa maior era construída. Essa história, contada em detalhes por Helena Jobim, irmã do compositor, no livro Um Homem Iluminado, aconteceu em março de 1972. E evidencia o quanto o violão vai além de um cantinho na arquitetura musical jobiniana.

O violão jobiniano - Tom e Helena Jobim

(Tom e Helena Jobim)

Apesar de ser mais pianista e orquestrador, é marcante a quantidade de fotos de Jobim ao violão, ocupando espaço nobre na vida do maestro. Desde a adolescência, ao lado da irmã Helena, até as apresentações com Frank Sinatra em TVs americanas, Jobim ataca as seis cordas. E também em gravações antológicas, a exemplo do disco The Astrud Gilberto Album, ou nos ensaios filmados por Roberto de Oliveira para o LP Elis & Tom, acertando nuances de Chovendo na Roseira, o violão está lá.

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Assim como não dava pra levar o piano para o Barraco 2, Tom também não deve ter encontrado teclado algum em Brasília, ainda em construção, ao lado de Vinícius de Moraes, com a encomenda de compor a Sinfonia do Alvorada, em pleno cerrado, no Catetinho, em 1958. Por sinal, uma das fotografias dessa viagem, com Vinícius caminhado pelo mato ao lado de Tom,  e este carregando um violão sobre o ombro direito, inspirou a estátua de bronze do maestro, instalada em 2014 na orla de Ipanema, no Rio.

O violão jobiniano - Tom Jobim e Vinícius de Moraes em Brasília, 1958

(Tom Jobim e Vinícius de Moraes em Brasíla, 1958)

O biógrafo de Garoto e pesquisador de violão Jorge Carvalho de Mello lembra que a proximidade do Tom com o violão era muito grande. Sem falar nas parcerias com violonistas como Bonfá e Billy Blanco. Jorge destaca que o violão do Jobim é um pouco diferente do usual, dado o pensamento orquestral que possuía. “Mais do que fazer acordes, ele os complementa, não raro indo para regiões agudas do instrumento”.

Certamente Tom Jobim nunca escreveu peças para violão, sendo um instrumento secundário nas suas atividades. Mas assim como Águas de Março, outras melodias devem ter surgido com auxílio do pinho. Além disso, é grande a quantidade de violonistas brasileiros que não apenas têm em Jobim uma das referências máximas para criar canções, como também já produziram diversos e lindos arranjos do repertório de Jobim.

Ouça aqui uma coletânea com 44 músicas de Tom Jobim em arranjos para violão  

TOM JOBIM 90 ANOS - ANTOLOGIA VIOLÃO VOLUME 1

O violão jobiniano - Tom Jobim capa playlist

TOM JOBIM 90 ANOS - ANTOLOGIA VIOLÃO VOLUME 2

Entre os que dedicaram discos à obra de Jobim para violão estão Raphael Rabello (Todos os Tons), Paulo Bellinati (DVD Paulo Bellinati Plays Antonio Carlos Jobim), Paulinho Nogueira (Retrospectiva Tom Jobim), Juarez Moreira (Nuvens Douradas), Daniel Murray (Tom Jobim para Violão Solo), Carlos Barbosa Lima (Plays Jobim & Gershwin) e Toninho Horta (From Ton to Tom: A Tribute to Tom Jobim).

Sem falar de Guinga e Sergio Assad, que já compuseram melodias inspiradas no maestro soberano, como Pra Quem Quiser Me Visitar e Jobiniana, respectivamente. “Em 9 de dezembro de 1994, um dia após a morte do Tom Jobim, me senti órfão. Me deu uma saudade, como se tivesse perdido um pai, apesar de eu não ter conhecido Jobim. E uma sensação de que o Brasil havia ficado mais pobre. Foi nesse estado de espírito que fiz Pra Quem Quiser me Visitar”, afirma Guinga em entrevista ao Acervo.

O violão jobiniano - Guinga

Guinga

Uma das influências que Tom Jobim exerce sobre Guinga é a noção do crivo, segundo ele. “A lixeira do Tom vivia cheia. Ele não adorava tudo o que fazia. Fazia um filtro grandioso. Ou seja, há até compositores tão inspirados quanto Jobim, mas que deixam passar coisas menores. Eu mesmo mais apago do que escrevo”, destaca.

Tom Jobim está, na visão de Guinga, entre os maiores compositores populares internacionais. Por mais que adore Gershwin, Cole Porter, Michel Legrand, Nino Rota, Morricone e tantos outros, vê um espectro musical maior no Tom. Já entre os brasileiros, ele acha que Tom não é maior do que Pixinguinha e Nazareth, por exemplo. “Mesmo assim, o espectro do Jobim vai além, até pelo momento em que viveu. Ele faz samba, choro, valsa, modinha, fox e até ária de ópera, porque Matita Perê é uma ária mateira. Quer dizer, Tom é urbano e do mato, ao mesmo tempo”.

Paulo Bellinati também considera Tom Jobim um dos maiores cancionistas do mundo. A paixão pelas ousadias de harmonia e o acabamento das melodias criadas pelo autor de Wave o levou a produzir um DVD de violão solo dedicado ao compositor.

Nos arranjos sobre Jobim, Bellinati diz que começou acompanhando cantoras, a exemplo de Por Toda Minha Vida, que gravou com Mônica Salmaso. “Depois listei mais de 30 músicas do Jobim e fui separando as que davam mais certo. Passei um ano nessas tentativas. Mas tive de abandonar as que não conseguia resolver bem em violão solo. Até porque existem vários jobins, tanto no universo do Jobim sinfônico quanto no Jobim cancioneiro. Canções como Matita Perê e O Boto são muito complexas”.

Paulo Bellinati conta que incialmente pensou em arranjar temas instrumentais, como Garoto, Surfboard e Antigua. “Tem também a Valsa do Porto das Caixas, que é bem impressionista. E como extensão dessa ideia, peguei temas com letra, como Luíza e A Felicidade, que aproveitei o arranjo que toquei com Mônica Salmaso no songbook do Almir Chediak. Usei afinação bem grave, com a sexta corda em si e a quinta em fá sustenido”.

Uma curiosidade: nos arranjos que Bellinati fez para os afro-sambas do Baden/Vinícius tem músicas nessa afinação. “A tonalidade em si deu muito certo com a tessitura da voz da Mônica. E para fazer o arranjo de A Felicidade em violão solo, mantive essa afinação”. Ao que ao consta, Bellinati é o único violonista brasileiro a ter feito um  DVD inteiro sobre Jobim.

O violão jobiniano - capa disco Daniel Murray

Outro apaixonado por Antônio Brasileiro é o violonista Daniel Murray, que gravou um CD de 14 faixas de Jobim, sendo quatro arranjos dele mesmo e os demais de Paulo Bellinati. “Quando era adolescente, eu ficava com meu tio Zé ouvindo e depois tocando Jobim. Meu tio me cutucava pra prestar atenção aos contrapontos e harmonias. Nessa mesma época, ele me apresentou para o Bellinati e tive o privilegio de ouvir vários desses arranjos que gravei em Tom Jobim para Violão Solo sendo feitos”.

“Me lembro como se fosse ontem: na sala de casa, Bellinati me mostrando o arranjo de A Felicidade. Nessa época, apreendi alguns de seus arranjos e várias de suas músicas conforme ele ia publicando as partituras ao longo dos anos, Daí surgiu a idéia de gravar Tom Jobim. Revisei os arranjos do Bellinati antes de ele publica-los pela Melbay.  e tinha já alguns arranjos que o Paulo não tinha feito. Eu então arranjei Imagina, Preciso de Você, Tema para Ana”. O CD foi lançado em 2009 pela Delíra Música, tendo Bellinati como produtor musical.

Segundo Murray, o lirismo, a sensação de intimidade, simplicidade e economia da música do Tom combina com o violão. “Foi no violão, nas mãos de nosso herói João Gilberto, que se definiu a levada da Bossa Nova. Já ali há uma síntese de tudo. Contraponto, timbres, diferentes tempos para além do som das palavras”, descreve.

 

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