Por Jorge Carvalho de Mello
Baden Powell, Raphael Rabello, Paulo Bellinati, Yamandu Costa e Marcus Tardelli, só para citar alguns dos maiores violonistas brasileiros, consideram Garoto como o pai do violão moderno, o reformulador da linguagem harmônica do violão. As peças inovadoras de Garoto estão presentes no repertório de grandes instrumentistas da atualidade, em várias partes do mundo. O compositor recebeu várias homenagens em forma de música, como no choro Garoto, de Tom Jobim (lançado em 1959, por Bené Nunes). Garoto também é nome de um choro de Luiz Bonfá.
O idioma musical de Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, é bem evidente. Foi ele quem primeiro adotou no violão os acordes dissonantes com os chamados intervalos de sétima maior, nona e décima terceira, assim como os intervalos aumentados, que tanto se popularizaram no Brasil a partir da bossa nova. Garoto também explorava bem o desenvolvimento de melodias a partir da sequência de acordes.
Tais novidades sonoras encontram-se nas composições, marcadas tanto pela linguagem da tradição musical brasileira, quanto pelo uso de elementos jazzísticos e da escola dos impressionistas franceses. Se até meados de 1980, Garoto era mais lembrado como autor de Gente Humilde e Duas Contas, atualmente é dos compositores brasileiros mais lembrados, por meio de sucessos como Lamentos do Morro, Jorge da Fusa, Tristezas de Um Violão, Desvairada e Gracioso.
Família
Quinto dos sete filhos do casal português Antônio Augusto Sardinha e Adozinda dos Anjos Sardinha, Aníbal Augusto Sardinha foi o primeiro da prole a nascer no Brasil. A família, recém-chegada de Portugal, morava no bairro operário Vila Economizadora – e, detalhe fundamental, sempre havia música em casa, que ficava na Avenida Tamanduateí. O pai tocava com habilidade a guitarra portuguesa e dois dos irmãos mais velhos tinham também vocação musical: Inocêncio tocava banjo e violão; e Batista, banjo, violão, e guitarra portuguesa.
Na fase amadora, Garoto integrou os conjuntos: Jazz Band Universal (do irmão Batista), Regional Irmãos Armani, Grupo Regional do Pory e Conjunto dos Sócios (do irmão Inocêncio). Nesses conjuntos se apresentava tocando banjo, o que o levou se tornar conhecido por Moleque do Banjo. Em fevereiro de 1928, participou da grande orquestra típica organizada por Américo Jacomino, que se apresentou no Salão de Automóveis da General Motors. Integravam essa orquestra, entre outros, Armando Neves (o Armandinho), Carlinhos, João Sampaio e Zezinho do Banjo (o futuro Zé Carioca).
O início da fase profissional ocorre com a participação no conjunto Verde e Amarelo, liderado por Paraguassu. Quase simultaneamente, participa do grupo Chorões Sertanejos, liderado por Raul Torres, já em 1930. Nesse mesmo ano gravou pela Parlophon o disco de estreia, solando ao banjo duas composições de autoria dele, com Serelepe a acompanhá-lo no violão: Bichinho de Queijo e Driblando.
Concurso
Ainda em 1930, Garoto estreou na Rádio Sociedade Record ainda como Moleque do Banjo, atuando como solista e, também, como integrante do conjunto regional da emissora, tocando, além do banjo, bandolim e cavaquinho. No ano seguinte, participou do Grande Concurso de Música Brasileira, promovido pelo jornal A Gazeta, com apoio da Rádio Educadora. O estreante concorreu na categoria banjo, obtendo o sexto lugar – quem ficou em primeiro foi o ídolo Zezinho do Banjo (Zé Carioca).
Com o conjunto Verde e Amarelo excursionou pelo interior do estado de São Paulo. Logo a seguir, passou a integrar o Grupo dos Calungas, liderado por M. G. Barreto, com quem compôs o primeiro samba Zombando da Morte. No final de 1931, foi contratado pela Rádio Educadora de São Paulo, onde apresentou ao público uma novidade: o violão tenor, que adaptou do triolian, instrumento muito usado àquela época nos Estados Unidos – do qual se tornou exímio executante, considerado até hoje como o melhor de todos.
Além de atuar no regional da Rádio Educadora, Garoto participava da programação como solista e, também, integrava a Jazz Band Otto Way. Fora dessa emissora, atuava como integrante do Sexteto Bertorino Alma (anagrama de Alberto Marino), no qual tocava violão. Em 1935, transferiu-se para a Rádio Cosmos, passando a integrar o regional e o grupo de jazz da emissora, além de se apresentar como solista.
Duo com Aymoré
Nessa época forma duo com o violonista Aymoré (José Alves da Silva), com quem participou da IV Caravana Artística, no Pavilhão de Festas da Exposição Rodoferroviária do Paraná, onde foram muito elogiados pela crítica local. Nessa dupla, Garoto se apresentava solando banjo, cavaquinho, bandolim, guitarra havaiana e violão tenor. Ainda em 1935, após retornarem a São Paulo, Garoto e Aymoré participaram do filme Fazendo Fitas, dirigido por Vittorio Capellaro.
Em meados de 1936, Silvio Caldas – que estava em São Paulo para se apresentar com o pianista Nonô, Luis Barbosa e a cantora Aracy de Almeida – pediu ao violonista Armando Neves que indicasse grupo para acompanhá-los durante apresentação no Teatro Sant’Anna e na Rádio Cruzeiro do Sul. A indicação: o duo Garoto/Aymoré, que superou as resistências iniciais de Silvio Caldas (“sabe como é, paulista no samba, pode não dar certo...”), e fez bonito: não só participou das programações previstas, como o acompanhou em tour na cidade de Santos, onde se apresentaram no Teatro Coliseu. (Provavelmente por conta desse episódio, o dueto foi indicado para atuar na então toda poderosa Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro).
Em setembro de 1936, o duo Garoto/Aymoré apareceu na programação da emissora carioca, ao lado de Noel Rosa, Ciro Monteiro, Carmen e Aurora Miranda, Silvio Caldas e Francisco Alves, entre outros. O duo também participou do Conjunto Havaiano, liderado por Gastão Bueno Lobo e também integrado por Laurindo Almeida.
Após alguns meses, Garoto retornou a São Paulo, passando a integrar a Rádio Cruzeiro do Sul, na qual integrou a Orquestra Columbia, dirigida pelo maestro Gaó. Nessa emissora, o duo Garoto/Aymoré apresentou uma novidade: o violão a quatro mãos.
Programa no rádio
Garoto também participou, como líder e arranjador, dos conjuntos Parajá e Veneziano, ainda na Rádio Cruzeiro do Sul, além de ter o próprio programa: Garoto e Seus Instrumentos. Em 1938 acompanhou o cantor Moreira da Silva em cinco discos 78 RPM. No final desse ano, Garoto e seu Regional acompanharam Moreira da Silva em seis discos 78 RPM, gravados pela Columbia.
Ainda no final de 1938, Garoto, já casado com Dugenir de Castro, retorna ao Rio de Janeiro, passando a morar no subúrbio de Braz de Pina, próximo à Rádio Mayrink Veiga, emissora na qual voltou a integrar o cast. Isso se deu, conforme consta em carteira profissional, em 01/12/1938.
Na Mayrink, além de se apresentar como solista e comandar regional, se apresentava com o Conjunto Cordas Quentes, do qual era líder e arranjador, e que contava também com Laurindo Almeida no violão; Faria no contrabaixo; e Mesquita no violino. Ainda nessa emissora, no início de 1939, formou com Laurindo Almeida o Duo do Ritmo Sincopado, que se apresentava com frequência nos programas radiofônicos e em gravações na Odeon. Resultaram nove discos 78 RPM acompanhando nomes como Dorival Caymmi, Ary Barroso, Carmen Miranda, Alvarenga e Ranchinho, Jararaca, Henricão e Carmen Costa – e um disco solo gravado pela RCA Victor.
Carmen Miranda
Garoto embarcou para os Estados Unidos em setembro de 1939, a bordo do navio Brasil, e chegou a Nova York em 30 de outubro. Resolvidos os entraves de documentação, passou a acompanhar Carmen Miranda e o Bando da Lua, e a vida músico paulistano virou agitação só: 1) apresentou-se no Pavilhão Brasileiro da Feira Mundial de Nova York; 2) participou da comédia musical Down Argentine Way (Serenata Tropical, no Brasil); 3. Gravou três discos na Decca; 4) partiu em excursão pelos Estados Unidos, apresentando-se em Chicago, Detroit, Pittsburgh, Saint Louis, Filadelfia e Washington; 5) o ponto alto das apresentações foi a realizada na Casa Branca, especialmente para o Presidente Franklin Delano Roosevelt. 6) série de shows no Canadá.
Em julho de 1940, o Bando da Lua, Garoto e Carmen Miranda retornaram de férias ao Rio de Janeiro – de onde todos voltaram para os EUA em outubro desse ano. Todos, menos Garoto. A decisão de ficar do Brasil foi tomada com base em dois fatos: o racismo, então no auge, nos Estados Unidos (Dugenir, a esposa dele, era negra), e as novas condições impostas pelo empresário de Carmen.
A questão contratual também pesou muito nessa decisão. Na primeira vez, Garoto saiu do Brasil já com contrato assinado como atração à parte, espécie de convidado especial (o que causou problemas com o sindicato dos músicos americanos). Ele ganhava então mais do que um integrante do Bando da Lua. O empresário de Carmen impunha agora que fosse um simples integrante do grupo – o que significava, além da redução salarial, perda de visibilidade artística.
Garoto e Seus Garotos
Em 1941 Garoto organizou conjunto vocal e instrumental chamado Garoto e Seus Garotos, do qual faziam parte Poly (Ângelo Apolônio) no violão e cavaquinho; Paulinho Cordeiro no violão; os ritmistas Russinho e Natal Cesar, e o cantor Waldemar Reis. Estrearam em janeiro na Rádio Clube do Brasil (PRA-3), e por lá se apresentaram durante todo o ano.
Em março, o conjunto participou, como acompanhantes de destaque, da gravação de dois discos 78 RPM pela Victor. O primeiro com Linda Batista (Disco nº 34 737); o segundo com a cantora Marilu (Disco nº 34 740). No mesmo mês, o grupo gravou duas músicas do líder da banda, ambas interpretadas por Waldemar Reis (Disco nº 34 743): os sambas Compromisso Para as Dez (Garoto e Natal Cesar) e Ingratidão (Garoto e Geraldo Queiroz).
De acordo com depoimento de Poly, dado a Irati Antônio e Regina Pereira, em Garoto, Sinal dos Tempos (Funarte,1982), Garoto e Seus Garotos acompanhou diversos artistas como Ciro Monteiro, Dircinha Batista, Aracy de Almeida, Orlando Silva e Francisco Alves – embora a discografia desses intérpretes no período entre 1941 e 1942 não revelasse explicitamente essa participação.
Ainda pela Victor, Garoto e a pianista Carolina Cardoso de Menezes gravaram disco com as músicas Amoroso (Garoto e Luiz Bittencourt) e o fox de Lorenzo Barcelate, intitulado Maria Elena. Gravado em 31 de julho de 1942 e lançado em outubro, o disco informava na capa que o acompanhamento era feito por Seus Garotos. Nesse período, entre 1942/43, a parceria persistiu por três discos, todos pela Victor (Discos nº 80 0044; 80 0061 e 80 0068).
Luiz Gonzaga
Os dois primeiros discos de Luiz Gonzaga, antes de ostentar o título de ´Rei do Baião´, tiveram a participação de Garoto ao violão e Poly no cavaquinho. São os de nº 34 744 e 34 748 da Victor, com as canções Véspera de São João (mazurca de Luiz Gonzaga e Francisco Reis), Numa Serenata (valsa de Luiz Gonzaga), Saudade de São João Del Rey (valsa de Simão Jandi), e Vira e Mexe (chamego de Luiz Gonzaga).
Também pela Victor, Garoto e Regional acompanharam Moreira da Silva no disco nº 34 754, nas músicas Esta Noite eu Tive um Sonho (Wilson Batista/Moreira da Silva) e Amigo Urso (Henrique Gonçalez).
Em 1941, Garoto participou do filme Céu Azul, produção carnavalesca da Sonofilmes, da qual também participaram Francisco Alves, Oscarito, Silvio Caldas, Grande Otelo, Virginia Lane, Heleninha Costa, Linda Batista, Joel e Gaúcho, Alvarenga e Ranchinho, Russo do Pandeiro e Benedito Lacerda e seu Regional.
Em setembro do mesmo ano, Garoto retorna à Rádio Mayrink Veiga, onde ficou até 10 de dezembro de 1942. Nessa emissora se apresentou com o conjunto Os Quatro Diabos, formado por Carlos Monteiro de Souza, Luis Gomes Carneiro, Nelson Souto e Salvador de Brito. Com a adesão ao grupo do flautista Eugênio Martins e de Popeye do Pandeiro, o nome do grupo mudou para Garoto e os Donos do Ritmo, que se apresentou no Cassino da Urca, Cassino de Icaraí, no Tênis Club de Petrópolis e no Canto do Rio F.C.
Rádio Nacional com Radamés
Em dezembro de 1942, Garoto iniciou o período mais fértil da vida artística. No dia 16 desse mês estreou na Rádio Nacional, com o programa Garoto e Seus Mil Instrumentos. Imediatamente, passou a integrar a famosa Orquestra Brasileira, dirigida por Radamés Gnattali, que se apresentava no célebre programa Um Milhão de Melodias, patrocinado pela Coca Cola, no qual desfilavam os maiores nomes da música brasileira.
A participação de Garoto na Rádio Nacional foi intensa: além de atuar em Um Milhão de Melodias como integrante da orquestra e, muitas vezes, como solista, tinha os próprios programas: Garoto e seus Instrumentos e Garoto e Seus Solos. Além disso, integrava a Orquestra All Stars, dirigida pelo maestro Carioca, apelido de Ivan Paulo.
No primeiro período de férias na Rádio Nacional, Garoto fez temporada inicialmente no Palace Cassino, em Poços de Caldas, Minas Gerais, de janeiro até março de 1944. Já em abril, apresentou-se no litoral paulista: Cassino do Guarujá e Cassino São Vicente, na Ilha Porchat. Após apresentar-se com sucesso na Rádio Atlântica de Santos (PRG-5), Garoto seguiu para a capital paranaense, onde se apresentou no Grill Room da Exposição Internacional de Curitiba.
Após quatro meses de ausência, Garoto retorna à Rádio Nacional, executando no programa Um Milhão de Melodias, o choro de sua autoria Aqui Estou.
Em meados de 1944, Garoto passou a atuar em duo com Carolina Cardoso de Menezes na Rádio Nacional, que contou depois com a participação do conjunto vocal Os Trovadores, cuja formação era a seguinte: Carlos Monteiro de Souza, Luís Carneiro, José Pinto Rodrigues e Raimundo Flores da Cunha. O duo se apresentou até o final de 1944, quando foi desfeito. Nesse período gravaram mais dois discos pela Victor.
Programa de violão
Em dezembro do mesmo ano, Garoto apresentou o primeiro programa em solos de violão pela Rádio Nacional. Em quinze minutos, solou as músicas Adelita, Abismo de Rosas e o choro Saudades, de Radamés Gnattali.
De fevereiro até maio de 1945, Garoto se licenciou da Rádio Nacional, iniciando nova temporada em cassinos. A estreia se deu no Cassino Ahú, em Curitiba, Paraná – onde Garoto compôs duas músicas: Chorinho do Cassino Ahú e Por Quem os Preços Dobram. Com grande sucesso, Garoto também se apresentou no Círculo Militar da capital paranaense. Seguiu-se então nova temporada no Cassino São Vicente, na Ilha Porchat, no litoral paulista. Já na cidade de São Paulo, compôs o choro A Caminho dos Estados Unidos, após ter sonhado que estava viajando para aquele país.
O retorno à Rádio Nacional se deu no programa Um Milhão de Melodias, com Garoto solando o choro de autoria dele Trapalhadas do Garoto, bem apropriado para a situação que vivia nessa emissora.
Em 27 de setembro de 1945, Garoto participou da conferência de Jacy do Rego Barros, intitulada O Violão na Tristeza e na Alegria, no Brasil, realizada no Instituto de Resseguros, no Rio de Janeiro, ao lado de Rogério Guimarães, José Augusto e Freitas e Tito de Souza.
Bossa Clube
A estreia do Bossa Clube, liderado por Garoto, na Rádio Nacional se deu em 9 de outubro desse ano no programa Alô Brasil e depois, com maior frequência, na Revista Souza Cruz. O grupo gravou alguns discos 78 RPM e se apresentou na Rádio Nacional de outubro até dezembro de 1945.
O conjunto Bossa Clube participou de três gravações, todas pela Continental (discos nº15 473, 15 600 e 15 469, respectivamente), realizadas em setembro e outubro de 1945. Em 2 de outubro acompanhou a cantora Emilinha Borba nas músicas O Outro Palpite (Garoto e Grande Otelo) e Divagando (Nelson Miranda e Luis Bittencourt). No mesmo dia gravou dois choros de Garoto: Sonhador e Celestial, com o autor solando as músicas na guitarra havaiana. No dia 27 de setembro participou de gravação com a cantora Ademilde Fonseca, nos choros Rato Rato (Casemiro Rocha/Claudionor Costa) e História Difícil (Vitor Santos/Pereira Costa).
Na Rádio Nacional Garoto apresentou, com o conjunto Bossa Clube, o arranjo que fez para Holliday For Strings (D. Rose) no programa Revista Souza Cruz de 23 de outubro, às 20h30. Esse programa foi apresentado até o final de dezembro de 1945 e nele Garoto com o Bossa Clube apresentou os seguintes arranjos:
* Ontem ao Luar (Pedro de Alcâantara/Catullo da Paixão Cearense), em 06/11.
* Relâmpago (Garoto), em 13/11.
* Minueto (Ignacy Jan Paderewsky), em ritmo de choro, em 27/11.
* Ameno Resedá (Ernesto Nazareth), em 11/12.
Violão tenor(solista), violões, violino, piano, baixo, bateria e percussão são os instrumentos identificados.
Alguns nomes como Luis Bittencourt (violão), Zimbres (piano), Vidal (baixo) e Bide (percussão) são considerados como muito prováveis integrantes daquele conjunto.
Com o fim do Bossa Clube surgiu o Clube da Bossa, que estreou na Rádio Nacional em 13 de fevereiro de 1946, às 18 horas. O programa, com o mesmo nome do grupo, tinha duração de 30 minutos e foi ao ar até o dia 17 de abril.
O conjunto Clube da Bossa reaparece aos sábados, às 10h15, no programa Calendário Musical Ross (das famosas pílulas do Dr. Ross), apresentado por Carlos Palut. Com estreia em 25 de maio, realizaram-se apenas três apresentações: Garoto perdeu a hora e não apareceu para fazer o quarto programa em 15 de junho e a atração radiofônica nunca mais voltou ao ar.
Com Luiz Bonfá e Zé Menezes
A partir de 22 de julho, Garoto ensaia quase que diariamente com Luiz Bonfá e, em agosto, também com Zé Menezes. De acordo com as informações colhidas no diário de Garoto, o Clube da Bossa, com Bonfá e Menezes, volta à cena às 20h de 11 de agosto, na Rádio Nacional. Uma nota publicada na coluna Rádio, por Alziro Zarur, fornece os nomes dos integrantes do Clube da Bossa, mas o nome de Zé Menezes não aparece.
Foram realizados mais três programas em diferentes dias (17/08; 09/09; e 16/09) até que em 1 de outubro apresenta-se o Clube da Bossa naquele que seria seu horário definitivo: terça-feira, às 17h45h.
Numa nova entrevista concedida ao então cronista musical Alziro Zarur, Garoto afirmou: “Apresentarei oportunamente na Rádio Nacional o programa Senhor Violão, contando cada audição com músicas de um só autor. Exemplos: Músicas de Tárrega, Ponce, Chopin, Bach, Segóvia, Falla, Beethoven, Radamés Gnattali, Villa Lobos, etc. Terei também oportunidade de apresentar músicas e arranjos de minha autoria. Quanto ao Clube da Bossa, que se apresenta terças-feiras às 17,45, oferecerá aos seus ouvintes uma série de arranjos modernos. Como se sabe, os componentes do Clube da Bossa somos eu, Zimbres, Vidal, Sebastião, Bide, Bonfá e, como crooner exclusivo, Lúcio Alves.” (sic)
Programa Senhor Violão
Programas da Rádio Nacional nos quais Garoto participava em 1945, como Um Milhão de Melodias e Canção Romântica continuaram a ser apresentados em 1946. O programa Garoto e Seu Violão, iniciado em 1944, continuou até março de 1946, e, a partir de junho, o artista começou o programa de solos, Senhor Violão, dedicado a um só autor, a exemplo de Tarrega, Ponce, Bach e Falla, como foi dito na entrevista a Zarur. Vale ressaltar, portanto, que Garoto tinha familiaridade com o repertório clássico europeu.
Em 1946, Garoto recomeça temporadas em cassinos. Entre março e abril se apresentou no Cassino Atlântico, em Santos, São Paulo, e, depois, em Curitiba, no Cassino Ahú. Com a publicação do Decreto-Lei nº 9.215, do General Eurico Gaspar Dutra, então Presidente da República, que proibiu o jogo em todo o território nacional, os shows não puderam continuar – eram nos cassinos que esses jogos de azar ocorriam.
Nesse mesmo ano, Garoto fez curso de composição e piano no Conservatório Brasileiro de Música, um curso livre e de pequena duração, que se deduz de suas anotações.
Guanabara, Tupi e Record
Garoto ficou na Rádio Nacional até 15 de junho de 1948. Em seguida se transferiu para a Rádio Guanabara, na qual permaneceu por um período muito curto, participando dos programas Dedos Mágicos e Os Tempos Mudam.
Já em 12 de novembro de 1948, assinou contrato com a Rádio Tupi, onde ficou até outubro de 1949, e participou das seguintes atrações: Um Fio de Melodias, Hora do Recreio, Semana do Rádio e Ritmo Louco. No final de 1949 se mudou outra vez: foi para a Rádio Record de São Paulo, onde passou a apresentar o programa Diabruras do Garoto.
Arranjos orquestrais
Nesse programa Garoto mostrava ao público, pela primeira vez na carreira, os arranjos orquestrais que realizou:
a) Abismo de Rosas, valsa de Américo Jacomino (Canhoto) - Solo de guitarra com orquestra composta de flautas, oboé, sax alto e tenor, fagote, trombone, pistom, bateria, piano, violinos, viola, cello e baixo.
b) Pinheirada, choro de Armando Neves (Armandinho) - Solo de violão tenor com orquestra, com a mesma formação anterior.
c) Marcha dos Marinheiros, de Américo Jacomino (Canhoto) - Solo de guitarra com orquestra, com a mesma formação anterior.
d) Hora Staccato - Solo de guitarra com orquestra, com a mesma formação anterior.
e) Sons de Carrilhão, choro de João Pernambuco, e Vivo Sonhando, canção de Garoto - Solo de guitarra com orquestra, com a mesma formação anterior.
Em março desse ano, no recital realizado na Associação Cultural do Violão, dirigida então por Ronoel Simões, Garoto apresentou peças de Haydn (Estudo em Ré Maior), Bach (Bourée da 2ª Sonata), Mendelssohn (Na Gruta de Fingal), Tárrega (Prelúdio nº 4) e Ponce (Petit Valse) – e também composições próprias como Gracioso, Choro Triste, Nosso Choro e canções como Gente Humilde, Meditação, Vivo Sonhando, Inspiração e Ausência.
Garoto ficou na Rádio Record até 24 de junho de 1950, quando regressa ao Rio de Janeiro. Entre 30 de junho e 18 de julho gravou na Odeon com os Trigêmeos Vocalistas, Fernando Albuerne, Jorge Fernandes, Dalva de Oliveira e Francisco Alves.
Turnê com José Vasconcelos
A partir de 21 de julho, por dois meses, Garoto excursionou com o humorista José Vasconcelos, parceiro em quase trinta composições, pelo interior de São Paulo (a estreia foi em Sorocaba e a última apresentação paulista ocorreu em Rio Claro), Minas Gerais (Uberaba e Uberlândia) e Paraná (Cornélio Procópio) – num total de 36 cidades visitadas. Os shows eram geralmente realizados em cinemas.
Após a estafante excursão, Garoto voltou ao Rio de Janeiro em 23 de setembro. Iniciou temporada na boate Casablanca em 5 de outubro e tocou em bailes no Clube Caiçaras, com o pianista Bené Nunes, e na Boate Excelsior, com Djalma Ferreira.
No primeiro dos três concertos extraordinários da Orquestra Sinfônica Brasileira, regidos pelo famoso maestro Erich Kleiber, que aconteceu no Theatro Municipal em 18 de outubro de 1950, constava do programa – após Egmont, de Beethoven, e antes da Sinfonia Renana, de Schumann, e do Prelúdio e Morte de Isolda, de Wagner – foi apresentada a Brasiliana nº 3, de Radamés Gnattali, na qual Garoto participou da orquestra tocando violão.
Gravações na Odeon
Em 27 de março de 1950, Garoto gravou pela Odeon seis músicas em solos de bandolim: A valsa-choro Beira Mar (Atílio Bernardini) e os choros Arranca Toco (Meira), Desvairada (Garoto), Dinorá (Benedito Lacerda e José Ferreira Ramos), Triste Alegria (Bonfiglio de Oliveira) e Famoso (Ernesto Nazareth). Em 21 de novembro, na mesma Odeon, gravou Tristezas de um Violão, choro de autoria própria, e Abismo de Rosas, valsa de Américo Jacomino (Canhoto), ambas com violão elétrico.
No mesmo dia gravou dois choros de autoria dele: Vamos Acabar com o Baile e Paulistinha Dengosa, com violão elétrico e regional. (Ainda neste dia gravou outros dois choros compostos por ele: Ver Para Crer e Relâmpago, ambas com cavaquinho, mas não chegaram a ser lançadas.)
Em 6 de abril de 1951 Garoto retornou à Rádio Nacional, participando novamente do programa Um Milhão de Melodias e dos novos programas da emissora, como Um Fio de Melodias, Dedos Mágicos e Música em Surdina. Nesse último aconteceram as primeiras apresentações do trio formado por Garoto (violão), Chiquinho (acordeão) e Fafá Lemos (violino e voz).
Trio Surdinha
Esse trio foi um dos conjuntos de maior sucesso na música instrumental brasileira e passou a ser conhecido como Trio Surdina no programa Noite de Estrelas, criado por Max Nunes e Paulo Gracindo – também apresentador da atração. Eles gravaram, em dezembro de 1952, todas as músicas que originaram os três LPs 10 polegadas e mais um lado divido com o maestro Leo Perachi, lançados pela Musidisc no ano seguinte.
Com a mudança de Fafá Lemos para os Estados Unidos em janeiro de 1953, o trio se desfez. Outro trio, com Zé Menezes no lugar de Fafá, foi então formado, realizando memoráveis apresentações no programa Noite de Estrelas.
A crescente dedicação de Garoto ao violão se reflete nas atuações no campo da música erudita. Em maio de 1952, apresenta-se como solista, atuando com a Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional, sob a regência do Maestro Leo Peracchi, na primeira audição do Concertino nº 2, de Radamés Gnattali, que aconteceu no Programa GE (General Eletric), no auditório dessa emissora.
Concerto sinfônico
Um dos momentos mais importantes da carreira musical de Garoto foi a participação no primeiro dos dois concertos sinfônicos organizados pela Associação Artística e Cultural do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 31 de março de 1953. Tendo como tema “O gênero concertante na música brasileira”. A Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal foi regida pelo maestro Eleazar de Carvalho e executou o seguinte programa:
Radamés Gnattali: Concertino nº 2 para Violão e Orquestra (1ª audição em concerto), na forma original. Solista: Aníbal Augusto Sardinha (Garoto).
Camargo Guarnieri: Choro para Violino e Orquestra. Solista: Mariúccia Iacovino.
Francisco Mignone: Fantasia Brasileira nº 1. Solista: Arnaldo Estrella.
Mesmo dividindo o tempo com inúmeros compromissos com gravações, bailes e programas na Rádio Nacional, o desempenho de Garoto neste concerto foi muito elogiado pela crítica e pelo público.
No último período na Rádio Nacional, da qual se desligou em junho de 1954, Garoto continuou participando dos programas Um Milhão de Melodias, Gente que Brilha, Noite de Estrelas, Quando Canta o Brasil e estreou um novo programa intitulado Recitais de Violão, que teve nove audições, nas quais apresentava peças eruditas e composições próprias.
Garoto na TV
Em 1 de julho desse ano, Radamés e Garoto apresentaram a versão reduzida, para piano e violão, do Concertino nº 2, na TV Tupi do Rio de Janeiro. Foi a segunda vez que apareceu na televisão. A primeira ocorrera em 25 de abril, também Tupi, como convidado de José Vasconcelos, que apresentava programa nessa emissora.
Em 22 de agosto de 1954 Garoto apresentou, na Rádio Gazeta de São Paulo, um concerto dividido em três partes: na primeira, apenas o violão de Garoto executando peças de autoria dele e, também, de autoria de Radamés Gnattali, como a valsa Vaidosa; na segunda, Garoto e o consagrado pianista Fritz Jank tocaram a Suíte Popular Brasileira, de Radamés Ganttali; na última, Garoto e a Orquestra Sinfônica da Rádio Gazeta, sob a regência do maestro Armando Belardi, executaram o Concertino nº2 para Violão e Orquestra, de Radamés.
Em 31 de outubro, Garoto apresentou a Suíte Popular Brasileira e a versão reduzida do Concertino nº 2, com Radamés Gnattali, autor de ambas, ao piano, numa apresentação na Rádio Inconfidência de Minas Gerais. Participaram também de outros programas nessa emissora e ainda encontraram tempo para ir à cidade de São Leopoldo, onde conheceram o médium Chico Xavier.
Compondo para o cinema
No retorno da viagem a Minas Gerais, Garoto foi convidado pelos irmãos Alípio Eurides Ramos para compor a trilha musical do filme Marujo por Acaso, cujo protagonista era o ator cômico Ankito. No site www.cinemateca.gov.br, a trilha musical é atribuída à Lirio Panicalli, mas no diário que escreveu, Garoto se declara autor da peça, tendo recebido Cr$ 8. 400,00 pelo trabalho.
Ainda em relação ao cinema: Garoto compôs duas músicas para o filme Chico Viola Não Morreu: Desejo e Pinga no Pires, ambas em parceria com José Vasconcelos.
Com contrato praticamente acertado com a Rádio Ministério da Educação, Garoto participou, a convite de Edna Savaget, de um programa nessa emissora, já em 1955. Na ocasião apresentou em solos de violão as músicas Gracioso, Meditação, Jorge da Fusa, Lamentos do Morro, de autoria dele, Holliday for Strings, de David Rose; e acompanhou o Trio da Noite, que interpretou a música Tema e Variações, parceria dele com o poeta Manuel Bandeira.
Parceria com Manuel Bandeira
O jornal Última Hora, em edição de 02/05/1955, véspera da morte de Garoto, deu a seguinte nota, com o título “Garoto vai gravar”:“Garoto, o do violão (São Paulo Quatrocentão), vai gravar, dentro de poucos dias, duas novas músicas na Odeon. Trata-se, de um lado, de Tema e Variações, de Manuel Bandeira e, do outro lado, Ausência, de Edna Savaget.”
A inusitada parceria entre Bandeira e Garoto aconteceu da seguinte maneira: numa reunião musical na casa de Fernando Tude de Souza, então diretor da Rádio Ministério da Educação, o violonista encontrou o poema de Manuel Bandeira, Tema e Variações, numa das páginas da revista Café Society.
Sentindo-se tocado pelo poema, Garoto o musicou em menos de meia hora. Em uma das reuniões do Clube dos Amigos do Samba, realizada no Automóvel Clube do Brasil, Garoto fez uma gravação desta música para oferecer ao poeta (“Bandeira sambista”, Correio da Manhã, 26/03/1955, Flagrantes).
No início dos anos 1950, Garoto conviveu intensamente com alguns dos nomes que se destacaram na Bossa Nova. Luiz Bonfá, Dick Farney, o quarteto vocal Os Cariocas,Tom Jobim, Billy Blanco, Dolores Duran, Johnny Alf, Sylvia Telles, Candinho, Luiz Eça, Chico Feitosa e Carlos Lyra eram admiradores de Garoto, de suas harmonias inovadoras e de suas composições que prenunciavam aquele movimento.
Em março de 1955, havia muitos projetos. Garoto acabara de iniciar uma longa série de gravações para o suplemento nacional da Odeon e estava previsto o lançamento de três LPs. No primeiro, apenas ele como solista. Nos outros dois, o foco era conjunto de boate do qual liderava. Nos três LPs, os arranjos seriam de sua autoria. A mesma gravadora já estava preparando um LP relançando as melhores gravações de Garoto( Claribalde Passos. Correio da Manhã,RJ,06/03/1955).
Entre os planos, havia também a turnê que faria pela Europa e nos Estados Unidos, onde ele até pretendia morar. Em Londres ele gravaria o Concertino nº 2 para Violão e Orquestra,de Radamés Gnattali. (Garoto nos EEUU, por Jayme Negreiros, O Jornal, seção Discos,18/01/1955): Vou deixar meu sitio (único lugar do mundo onde posso viver), mas pretendo fixar-me nos Estados Unidos. Um sonho antigo que se tornará realidade”.
Com o amigo e parceiro José Vasconcelos, estava trabalhando na direção musical da peça Precisa-se de um Presidente, de Vasconcelos e Geysa Bôscoli. A estreia seria no final de maio, no Teatrinho Jardel, e Garoto iria tocar cinco instrumentos diferentes e ainda atuaria como um dos personagens.Esses projetos, porém, não se realizaram. No dia 03 de maio de 1955, uma terça-feira, Garoto acordara passando mal e pediu que Cecy desmarcasse as aulas de violão que daria naquela manhã. Sentia dor no peito e resolveu deitar-se novamente. Era o infarto no miocárdio que o levou para sempre.
Referências de leitura:
Conheça a história da música Gente Humilde em artigo no blog do Acervo Violão
Vídeos: assista a Raphael Rabello e Paulo Bellinati interpretando peças de Garoto
Musicografia