por GILSON ANTUNES
Em muitas localidades brasileiras, especialmente no interior do país, Dilermando Reis é sinônimo de violão. Com estilo proeminentemente seresteiro, com experiência na música clássica e popular, incluindo colaborações com artistas do nível de César Guerra Peixe e Radamés Gnattali, Dilermando personificou o violão brasileiro de forma integral como praticamente nenhum outro violonista, a ponto de “retransformar” clássicos como Abismo de Rosas ou Gotas de Lágrimas em novos clássicos, sendo por muitos consideradas suas próprias músicas, e não de Américo Jacomino ou Mozart Bicalho. Já foi assunto de teses e dissertações de pós-graduação no Brasil e no exterior, e é um dos poucos violonistas a ter uma biografia publicada em livro impresso.
Dilermando é autor de valsas geniais, entre as mais belas do repertório brasileiro, como Se Ela Perguntar, Noite de Lua, Uma Valsa e Dois Amores, Dois Destinos, além de choros inspirados, a exemplo de Magoado, Feitiço, Dr Sabe Tudo e Xodó da Baiana.
Dilermando Reis nasceu em Guaratinguetá, uma das mais importantes cidades paulistas da década de 1930, devido ao seu desenvolvimento artístico e econômico. Foi o terceiro dos 15 filhos do violonista amador Francisco dos Santos Reis e de Benedita Vieira Reis. Em 1926, aos 10 anos de idade, viu seu pai tocar violão e se interessou pelo instrumento, principalmente ao ouvir a mãe cantar canções de Catullo da Paixão Cearense. Logo iniciou as aulas com seu pai, aprendendo matérias teóricas também com Bonfiglio de Oliveira e outros professores.
Em 1931, aos 15 anos, já tocava obras de Canhoto e Mozart Bicalho, tiradas de ouvido por meio dos discos 78 RPM. Nesse mesmo ano, o famoso violonista cego matogrossense Levino Albano da Conceição, que estava em turnê pelo Brasil, foi para Guaratinguetá e deu recital no Cine Central. Levino já possuía até um secretário particular e era patrocinado pelo Instituto para deficientes visuais Benjamin Constant e pela Escola San Raphael, de Belo Horizonte. Após se apresentarem, Levino aceitou dar aulas gratuitas a Dilermando, logo fazendo duo com o garoto, formação esta que durou dois anos.
Ida ao Rio
Em 1933, Dilermando foi pela primeira vez ao Rio de Janeiro, onde residia Levino Albano. Lá, conheceu João Pernambuco e logo começou a dar aulas em várias localidades, como a loja Bandolim de Ouro, onde comprou seu primeiro bom violão, da marca Do Souto. Nessa loja ficaram conhecendo também grandes músicos como Luperce Miranda, Rogério Guimarães e Pixinguinha. Em 1935 começou a dar aulas na loja A Guitarra de Prata, onde continuou lecionando pelos próximos 25 anos.
Dilermando logo foi convidado a participar de um programa de calouros na Rádio Guanabara. Em 1936, começou a trabalhar na Rádio Transmissora, onde apresentava-se ao lado de Rogério Guimarães. Com o salário que recebia, era o violonista mais bem pago do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, participava de serenatas ao lado de grandes músicos como Francisco Alves e Silvio Caldas.
Em seguida, Dilermando começou a trabalhar na Rádio Clube do Brasil e formou uma das primeiras orquestras de violões que se tem notícia, com integrantes do nível de Osmar Abreu (pai dos irmãos Sérgio e Eduardo Abreu) Euclides Lemos e Solon Ayala.
Primeiras gravações
Em 1941, gravou o primeiro 78 RPM, com a valsa Noite de Lua e o choro Magoado. Em 1944 veio o segundo registro, com Dança Chinesa e Adeus Pai João. A estes se seguiram vários outros discos que o colocaram como o violonista mais conhecido do Brasil, principalmente com a gravação em 1952 da valsa Se Ela Perguntar – com letra de Jair Amorim – por Carlos Galhardo, pela RCA Victor. No mesmo ano, gravou os dois maiores clássicos do repertório instrumental popular brasileiro, o maxixe Sons de Carrilhões, de João Pernambuco, e a valsa Abismo de Rosas, de Américo Jacomino (Canhoto).
Em 1956 assinou contrato de um ano com a Rádio Nacional para um programa diário chamado Sua Majestade, o Violão – que tinha como prefixo a mazurca Adelita, de Tárrega – e gravou seu único disco de 10 polegadas, incluindo a valsa Se Ela Perguntar. No ano seguinte, começou a gravar discos de 33 RPM, algo que se prolongou até 1975. O vinil tinha o mesmo título de seu programa na Rádio Nacional, Sua Majestade, o Violão, e é hoje considerado uma das maiores gravações da história do violão brasileiro. O disco tem obras de autores clássicos como Chopin e Tárrega, além de obras do próprio Dilermando, Benedito Chaves e outros.
Dilermando Reis gravaria vários outros LPs importantes, entre eles Volta ao Mundo, em 1959, Melodias da Alvorada, em 1960, e, em 1961, talvez o maior de seus discos, Abismo de Rosas. O sucesso alcançado foi tão grande que ainda hoje muitos pensam que essa valsa de Canhoto é de autoria de Dilermando Reis. Na sequência vieram vários outros, como Junto a Teu Coração (1964), Gotas de Lágrimas (1965), Saudades de Ouro Preto (1968) e Grand Prix (1970). Este último apresenta a única gravação de Dilermando com cordas de nylon, interpretando o Concerto n.1 para Violão e Orquestra, de Radamés Gnattali. Gravou ainda clássicos como Dilermando Reis interpreta Pixinguinha, em 1972, e Homenagem a Ernesto Nazareth, em 1973, além de discos com o cantor Francisco Petrônio e com o Frei José Mojica.
Professor de JK
Dilermando foi professor do presidente Juscelino Kubitschek e de sua filha Maristela, conseguindo inclusive um emprego como delegado fiscal, a pedido do presidente. Com isso, parou de dar aulas na loja Guitarra de Prata, mas continuou com o programa na Rádio Nacional e as gravações.
Na década de 1970, registrou uma importante entrevista para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e gravou seu último depoimento, no programa São Paulo Agora, da rádio Jovem Pan de São Paulo.
Dilermando Reis morreu no Rio de Janeiro em 2 de janeiro de 1977, de edema pulmonar. Ao velório, compareceram a viúva do ex-presidente Jucelino Kubitschek, Sara, acompanhada da filha e ex-aluna de Dilermando, Maristela, além de amigos. Dilermando foi enterrado em sua cidade natal, Guaratinguetá, no cemitério São Miguel.
Legado
O repertório de Dilermando também sempre esteve disponível no mercado de partituras. Mas a partir de 1990, o trabalho de Ivan Paschoito ajudou a divulgar essas obras internacionalmente, quando publicou dois álbuns pela editora americana Guitar Solo Publication (GSP).
Nos anos 1990 também surgiram as primeiras dissertações acadêmicas sobre Dilermando, de Luciano Pires e do americano David Jerome. Em 2000, Genésio Nogueira publicou a única biografia sobre o violonista.
Viololinstas brasileiros de variadas gerações e estilos já dedicaram temas a Dilermando, que vão de Um Abraço no DR (André Geraissati), Um Amor de Valsa (Paulo Bellinati), Valsa de Reis (Marcello Gonçalves) e De Bellinati a Dilermando (Daniel Murray) .
O violonista é hoje nome de uma rua no Rio de Janeiro e é padroeiro de um importante festival em Guaratinguetá, e no qual costumam se apresentar violonistas clássicos e populares. Desde 2013, o evento tem como abertura uma pitoresca seresta de músicos locais bem em frente ao túmulo do violonista, Em 2016, foi realizada a 20a edição do festival, dedicado ao centenário do violonista.
Neste mesmo ano, o violonista Marco Pereira lançou o CD Dois Destinos: Marco Pereira Toca Dilermando Reis, com leituras bem contemporâneas de violão e banda. na esteira do centenário, o violonista e professor da Universidade de Brasília, Alessandro Borges, lançará em breve um álbum de 30 partituras inéditas.
Bibliografia
-NOGUEIRA, Genésio. Dilermando Reis, Sua Majestade o Violão (Edição Particular, Rio de Janeiro, 2000).
-PIRES, Luciano. Dilermando Reis, o Violonista Brasileiro e Suas Composições. Dissertação de mestrado em música (UFRJ, 1995).
-CORDEIRO, Alessandro Borges. A Obra para Violão Solo de Dilermando Reis: Transcrição de Peças Não Publicadas e Revisão das Publicações a Partir de Fontes Primárias. Dissertação de mestrado em música (UFG, 2005).
-JEROME, David. Dilermando Reis and the valorization of the brazilian guitar. Hayward. Dissertação de mestrado (Califórnia State University, 2002).
Discografia
78 RPM:
-Noite de Lua / Magoado (1941, Columbia)
-Dança Chinesa / Adeus Pai João (1944, Continental)
-Recordando / Saudade de um Dia (1945, Continental)
-Minha Saudade / Rapsódia Infantil (1945, Continental)
-Noite de Lua / Magoado (1944, Continental)
-Noite de Estrelas / Dedilhando (1946, Continental)
-Adelita / Grajaú (1946, Continental)
-Vê se te Agrada / Dois Destinos (1948, Continental)
-Araguaia (1948, Continental)
-Súplica / Tempo de Criança (1949, Continental)
-Flor de Aguapé / Dr. Sabe Tudo (1949, Continental)
-Alma Sevillana / Cuando Baila la Muchacha (1950, Continental)
-Xodó da Baiana / Promessa (1951, Continental)
-Cuidado com o Velho / Vaidoso (1951, Continental)
-Sentimental / Bingo (1951, Continental)
-Sons de Carrilhões / Abismo de Rosas (1952, Continental)
-Calanguinho / Penumbra (1953, Continental)
-Alma Nortista / Interrogando (1953, Continental)
-Recordando a Malagueña / Uma Noite em Haifa (1954, Continental)
-Eu Amo Paris / Fingimento (1954, Continental)
-Poema, de Fibich / Barqueiros do Volga (1955, Continental)
-Dois Destinos / Vê se te Agrada (1955, Continental)
-Limpa Banco / Sonhando com Você (1955, Continental)
-Rosita / Chuvisco (1956, Continental)
-Tristesse / Adelita (1956, Continental)
-Se Ela Perguntar / Índia (1957, Continental)
-Romance de Amor / Pavana (1958, Continental)
-La Despedida / Ausência (1960, Continental)
-Uma Valsa e Dois Amores / Marcha dos Marinheiros (1961, Continental)
-Soluços / Odeon (1961, Continental)
-Oiá de Rosinha / Abandono (1962, Continental)
-No Tempo do Vovô / Fingimento (1962, Continental)
-L´Arlequin de Toledo / Recordando a Malagueña (1962, Continental)
-Sons de Carrilhões / Despertar da Montanha (1962, Continental)
-Gotas de Lágrimas / Cisne Branco (1963, Continental)
LP de 10 Polegadas:
-Dilermando Reis (1956)
LPs de 12 Polegadas (33 1/3 RPM):
-Sua Majestade o Violão (1957)
-Volta ao Mundo (1958)
-Melodias da Alvorada (1960)
-Abismo de Rosas (1961)
-Presença de Dilermando Reis (1962)
-Junto a teu Coração (1964)
-Meu Amigo Violão (1965)
-Gotas de Lágrimas (1965)
-Subindo ao Céu (1966)
-Recordações (1967)
-Saudade de Ouro Preto (1968)
-Dilermando Reis (Carinhoso) (1968)
-Dilermando Reis (Rosas de Outono) (1969)
-Grand Prix (1970)
-Dilermando Reis (1970)
-Dilermando Reis (1971)
-Dilermando Reis interpreta Pixinguinha (1972)
-Homenagem a Ernesto Nazareth (1973)
-Violão Brasileiro (1975)
-Disco de Ouro (1976)
Discos Póstumos:
-O Melhor de Dilermando Reis (1977)
-Dilermando Reis (1978)
-Presença de Dilermando Reis com Orquestra de Radamés (1978)
-Dilermando Reis no Choro (1978)
-Aplausos (1979)
-Violão Brasileiro (1986)
-Dilermando Reis Interpreta Pixinguinha (1988)