Por Gilson Antunes
Ulisses Rocha é considerado um dos principais violonistas brasileiros, com sólida carreira internacional como intérprete solo e em conjunto. Integrante de grupos importantes como Trio D’Alma e Trio 202, também já dividiu o palco e participou de maneiras distintas em gravações ou shows de músicos do gabarito de Roberto Carlos, Gal Costa, Heraldo do Monte, Al di Meola, Cesar Camargo Mariano, Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal. Apresentou-se nos continentes americano, europeu, asiático e africano, sempre com um ecletismo estético que mistura com facilidade o clássico, jazz, rock, música latino-americana e outras tendências, em uma variedade estilística pouco vista em violonistas com carreira similar.
Ulisses nasceu no Rio de Janeiro, filho de Remigio Loureiro da Silva, um carioca da Vila Isabel (bairro conhecido por personalidades como Noel Rosa) e mãe paulista, Lisete Rocha da Silva, que nasceu no interior. A família vivia em Pirassununga (SP), mas quando a mãe engravidou – e pelo fato de a cidade ter menos recursos em termos de medicina – seus pais resolveram ter o filho Ulisses na capital do Rio de Janeiro. Já aos três meses, retornou com a família para o interior de São Paulo, onde o futuro violonista passou a primeira infância. Aos oito anos, Ulisses se mudou com a família definitivamente para a capital paulista.
Primeiros estudos
(Ulisses Rocha no fundo à esquerda cantando e tocando em banda numa escola ao lados dos irmãos músicos Mauro e Marcos Gasperini)
No final da década de 1960, Ulisses começou a tocar violão, estudando primeiramente violão popular “cantado”, o que não o agradou. Já por volta de 1970, conheceu o professor Antonio Manzione - que lecionava no bairro do Cambuci – vindo a estudar violão clássico com esse professor até 1974. Manzione inclusive ficou amigo de toda a família de Ulisses, chegando a frequentar sua residência. As aulas se encerraram quando o professor teve que se mudar para Santos, litoral paulista.
Nessa época Ulisses Rocha já tinha o rock como uma de suas preferências musicais, algo que se tornaria influente em suas futuras composições e projetos. O músico chegou a participar de bandas tocando tanto violão quanto guitarra elétrica, tirando músicas de ouvido, o que para ele foi fundamental em seu treinamento de Percepção Musical. Foi quando o violonista começou também a compor as primeiras de suas dezenas de músicas até hoje.
Entre 1976 e 1977 Ulisses Rocha começou a estudar no CLAM (Centro Livre de Aprendizagem Musical), uma importante escola de música criada em 1973 e dirigida por integrantes do Zimbo Trio (Amilton Godoy, Rubinho e Luis Chaves, além de Chumbinho, baterista sócio da escola). No início de 1979 Ulisses Rocha iniciou suas atividades como professor nessa mesma escola após cursar apenas alguns meses da Faculdade de Agronomia. Luís Chaves, contrabaixista do Zimbro Trio, lhe deu então o cargo de professor no CLAM (onde Ulisses ensinou durante três anos), mudando sua vida e carreira para sempre.
(Ulisses Rocha entre André Geraissati e Rui Saleme. Contracapa do LP de 1981)
Trio D’Alma
A primeira formação do Trio D’Alma teve como integrantes Rui Saleme e dois professores do CLAM, André Geraissati e Cândido Penteado (professor de Ulisses Rocha), formação que gravou o primeiro LP do grupo em 1979, intitulado A quem Interessar Possa. Quando Penteado largou o grupo para tentar carreira em Nova York, a chance chegou para Ulisses, que foi convidado por Geraissati a integrar o conjunto. Eles então gravaram pela Som da Gente o disco D’Alma (1981), tendo como integrantes André Geraissati, Ulisses Rocha e Rui Saleme. Em 1983 lançaram pela mesma gravadora o derradeiro álbum, também intitulado D’Alma, agora com Mozart Mello substituindo Rui Saleme. Esses três LPs são ainda hoje disputados nos sebos de todo o Brasil e estão entre os principais lançamentos violonísticos já registrados na música instrumental brasileira.
O trio se tornou mítico na história da música brasileira também por ter servido de inspiração para a criação do The Guitar Trio, formado por Paco de Lucia, Al di Meola e John McLaughlin, algo que Ulisses sempre comenta em entrevistas. Ulisses chegou a tocar com Al di Meola no antigo teatro Palace em São Paulo, no ano de 1986, ao lado de João Parayba.
Discos solo
EM 1986 Ulisses Rocha passava por um momento de reflexão em sua carreira após escassearem os shows do D’Alma. Como resultado surgiu o primeiro LP solo, intitulado Alguma Coisa a Ver com o Silêncio. Com um período de gravações conturbado por crises de apendicite do violonista, o álbum foi praticamente gravado ao vivo e se tornou um dos primeiros registrados em sistema digital no Brasil (o segundo, nas palavras de Ulisses Rocha). Esse disco, ainda hoje considerado um dos melhores de violão instrumental brasileiro, ajudou a estabelecer Ulisses Rocha como um dos grandes talentos da nova geração. Músicas como Rua Harmonia são ainda hoje tocadas em shows e o arranjo do Frevo de Egberto Gismonti era uma constante nas apresentações do violonista.
Em 1989 Ulisses voltou ao estúdio para gravar outro álbum, Casamata, completamente autoral (com exceção de uma música composta em conjunto), contendo clássicos como a faixa título, Última Hora e De Repente Lembrei de Você.
Professor da Unicamp
Por volta de 1988 a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) criou o curso de Música Popular, sendo uma das primeiras universidades brasileiras a desenvolver essa vertente musical. Já no ano seguinte o maestro Benito Juarez, do Instituto de Artes dessa universidade, convidou Ulisses para ser o professor de violão popular, criando essa disciplina em 1990. Esse fato foi um divisor de águas não apenas na vida de Ulisses Rocha, mas também do violão brasileiro: nos 30 anos desse curso já passaram alunos do nível de Alessandro Penezzi, Chico Saraiva e Euclides Marques, para citar alguns.
Em 2021 Ulisses completa 30 anos de atividades como professor desse curso, e já pensa em desenvolver outros projetos extra-universidade, após toda uma vida dedicada a área acadêmica. Para além dos alunos da Unicamp, Ulisses Rocha foi também professor ou consultor violonístico de músicos do nível de Andreas Kisser (Sepultura), Kiko Loureiro (Angra), Chico Pinheiro, Alexandre Mihanovich e Zezo Ribeiro, todos eles com sólida carreira musical.
Caminhos cruzados
Já com o nome estabelecido como violonista solo, em 1992 Ulisses participou de um projeto no Museu da Imagem e do Som ao lado de seu antigo amigo do CLAM, o flautista e saxofonista Teco Cardoso. Com o sucesso da apresentação, os dois resolveram gravar um disco, Caminhos Cruzados, que foi lançado pela gravadora Velas. Ulisses e Teco continuaram a se encontrar durante os anos seguintes para vários shows e projetos, sempre com sucesso de público e crítica.
Em 1998 Ulisses lançou dois albums, intitulados Ar (integralmente autoral) e Moleque (com obras próprias e arranjos de músicas de Tom Jobim e Edu Lobo, entre outros). Foi então que, entre 2000 e 2003 o violonista lançou três registros experimentais a partir de seu caldeirão de influências musicais: Álbum (2000), Acoustic Lounge Cafe (2002) e Fractal (2003).
(Teco Cardoso e Ulisses Rocha, detalhes contrapaca CD Caminhos Cruzados, 1992)
Rock
Esses três CDs, em suas palavras, tiveram certa resistência do meio do violão tradicional durante aquele período, talvez pelos arranjos mesclando rock e outros tipos de gêneros musicais nem sempre muito apreciados por seu público. “Álbum”, por exemplo, apresenta arranjos de obras de Led Zeppelin, Rolling Stones, Deep Purple e The Police (entre outros). Nesses discos todos os instrumentos foram sintetizados pelo violão, com exceção da Bateria (tocada por Pepa) e do Baixo (tocado por Zé Alexandre Carvalho no “Acoustic Lounge Cafe” e no “Álbum”).
Com o lançamento de Estudos e Outras Ideias, em 2005, Ulisses diz ter “feito as pazes” com seu público. E não apenas isso: a composição desses estudos renderam ao violonista o tema de sua tese de doutorado defendida em 2015 em seu próprio local de trabalho, a UNICAMP. A pesquisa foi orientada por Claudiney Carrasco e coorientada pelo compositor, guitarrista e violonista Paulo Tiné. Essa tese está disponível no Acervo Digital do Violão Brasileiro para download gratuito.
Trio 202
Em 2007 Ulisses Rocha se juntou a dois dos principais nomes da música instrumental brasileira, o pianista Nelson Ayres e o acordeonista Toninho Ferragutti para formarem o Trio 202. Além do talento, os três tinham em comum o fato de terem participado de produções da produtora Ceará 202 (justificando o nome do Trio), o que facilitou para a formação do grupo. Com apenas quatro ensaios eles gravaram um CD através de dois shows em São Paulo (no Tom Jazz) e em Nova York (no Jazz Standard). No repertório, além de composições próprias dos três integrantes, a exemplo de Teu Sorriso (Ulisses Rocha), também arranjos de músicas de compositores como Tom Jobim, Moacir Santos e Ariel Ramirez.
Em 2010 e 2014 Ulisses lançou dois CDs integralmente autorais, Só e Soul Colors, respectivamente. No ano seguinte, mais um projeto inusitado: Clássico, como diz o nome, é um CD com repertório de algumas das mais conhecidas obras do universo do violão de concerto, revisitando autores como Antonio Lauro, Agustin Barrios, Heitor Villa-Lobos e até mesmo Bach. Seria uma outra volta às raízes, ao seu início no violão clássico, ao mesmo tempo em que juntou uma série de peças que já vinha preparando para suas turnês no exterior.
Quinteto e Violab
Em 2017 Ulisses se juntou a quatro amigos para um outro projeto da Ceará 202, dessa vez baseado em músicas juninas, dos interiores do Brasil, resultando no lançamento de O Quinteto, ao lado do violeiro Ivan Vilela, do violoncelista Raiff Dantas Barreto, do contrabaixista Vitor Loureiro e de Walmir Gil, que no CD toca trompete e flugelhorn. Foi a estreia “de fato” de Ulisses Rocha como arranjador, pois todas as partes musicais estão devidamente escritas no papel, com exceção dos improvisos. No repertório, mais um mar de influências que vão de Milton Nascimento a Violeta Parra, passando por Beatles e João do Vale.
(clique pra conhecer o projeto Violab)
Em 2018 Ulisses participou do lançamento do Violab, um projeto que pretende divulgar ao mesmo tempo nomes estabelecidos do violão brasileiro e jovens talentos através de um conteúdo tecnológico bastante moderno, utilizando-se especialmente de mídias digitais avançadas. Em 2020, por exemplo, com a pandemia da Covid-19, o website da Violab apresentou uma série de mais de 10 vídeos gravados sempre por dois grandes violonistas, cada um em sua residência, resultando no projeto Aquidistantes. Participaram, entre outros, nomes como Cristina Azuma (diretamente da França), Romero Lubambo, Toninho Horta e Guinga.
O lançamento oficial do Violab ocorreu no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, em outubro de 2018. Ulisses - que já vinha flertando com a tecnologia desde praticamente o início de sua carreira solo – parece com esse projeto querer coroar toda uma vida e carreira dedicadas ao violão e, ao mesmo tempo, apontar para um futuro participativo, comunitário e, sobretudo, bastante promissor.
Ainda em 2020, a obra de Ulisses Rocha foi interpretada pelo violonsta Waldir Junior no álbum digital Waldir Junior Toca Ulisses Rocha, formado por 11 temas do compositor para violão solo. No final do mesmo ano, quando completou 60 anos de idade, Ulisses recebeu homenagem do Acervo Violão Brasileiro numa live que traça sua trajetória artística em bate papo com a participação de parceiros e ex-alunos.
Discografia:
-O Quinteto (2017): com Ivan Vilela, Raiff Dantas Barreto, Walmir Gil e Vitor Loureiro
-Clássico (2015)
-Trio 202 – Ao Vivo New York & São Paulo
-Estudos e Outras Ideias (2005)
-Acoustic Lounge Café (2002)
-Moleque (1998)
-Caminhos Cruzados (1992) (com Teco Cardoso)
-Alguma Coisa a Ver com o Silêncio (1986)
Com o Trio D’Alma:
-D’Alma (1983) (com Mozart Mello e André Geraissati)
-D’Alma (1981) (com Rui Saleme e André Geraissati)
Coletâneas
-Violab (2018)
-Formentera (2014)
-Brazilian Chill (2013)
-Music and Nature – Tranquility (2013)
-Music and Nature – Nature (2013)
-Music and Nature – Memories (2013)
-Music and Nature – Rest (2013)
-Music and Nature – Romance (2013)
-Music and Nature – Hope (2013)
-Hotel Deluxe (2013)
-Brazilian Birds (2009)
-Silêncio Interior (2008)
-Melodia das Águas (2008)
-10 Festival de Violão Dilermando Reis de Guaratinguetá
-Música do Novo Milênio (2000)
-Acreditando na Vida (2000)
-Genuinamente Brasileiro (1999)
-Planeta Nova Era (1997)
-Songbook Tom Jobim Instrumental (1995)
-Banco do Brasil Musical (1995)
-Música Viva (1994)
-Songbook Dorival Caymmi vol.2 (1993)
-Songbook Dorival Caymmi vol.1 (1993)
-Contemporary Instrumental Music from Brazil (1993)
Musicografia:
Violão Solo (principais obras):
A Voz no Telefone
Alguma Coisa a Ver com o Silêncio
Calango
Casamata
De Cara pro Sol
De Repente Lembrei de Você
Delírio
Desatino
Duna
Espelhos d’Alma
Esqueci seu Nome
Estudo n.1
Fim de Tarde
Fogo Brando
Ilusão
Jabuticaba
Laranjeiras
Lua
Manhã
Marimbau
Moleque
Morena
Moreninho
Negro
Nós e as Horas
O Tempo
O Rio, as vidraças e os últimos minutos de Sol
One More Year
Patagônia
Perto do Céu
Rindo da Saudade
Rio Acima
Rua Harmonia
Rumores
Sem Direção
Teu Sorriso
Três Dedos
Última Hora
Violão e Vaso de Barro
Volta Rapidinho
Dois Violões:
Meio do Caminho
Obras didáticas:
10 Estudos para Violão
Ligaduras (Exercícios)
Exercícios de Velocidade para Violão
Pequenos Arpejos – Preparação do Toque (também em tablatura)