por Gilson Antunes
Armando Neves é um dos grandes nomes do violão solista de caráter popular no Brasil. Depois de passar por períodos que alternaram entre grande reconhecimento – principalmente quando esteve contratado pela Rádio Record – e ostracismo, suas obras aos poucos vêm novamente recebendo reconhecimento de violonistas como o escocês David Russell. Uma das principais responsáveis pela divulgação da obra de Armando Neves é Paola Picherzky, que realizou profunda pesquisa, resgatou inúmeras fotografias, partituras e gravou dois discos só com músicas do compositor.
Filho do brasileiro Alípio Neves com a italiana Mathilde Colcone Neves, Armando Neves viveu em Campinas, interior de São Paulo, até os 19 anos, onde concluiu o curso primário e cultivou suas duas grandes paixões: o futebol e a música.
Começou pelo Primeiro de Maio Futebol Clube. Até 1929 – ano em que decidiu se dedicar exclusivamente à música – jogou também pelo Santo Amaro Futebol Clube, Sport Clube Corinthians Paulista (numa curta passagem) e São Bento Futebol Clube.
O interesse pelo violão deu-se por volta de 1919, quando assistiu a uma apresentação de Américo Jacomino com o trio caipira Viterbo-Abigail-Canhoto. No ano seguinte conseguiu um violão e, a conselho de seu professor, começou a estudar o instrumento da maneira a qual manteve por toda a sua vida: “de ouvido”, sem ler partitura. Armandinho teve ainda ajuda de violonistas como os irmãos Joaquim e José Matoso, Gustavinho e Zezinho, estreando profissionalmente ao lado do cantor Paraguaçu, em 10 de julho de 1923.
Turunas Paulistas
Entre 1927 e 1928, integrou o grupo Turunas Paulistas, que se apresentou no Teatro Municipal de São Paulo e no Teatro Boa Vista, no espetáculo Noite Brasileira, com idealização de seu ídolo, Américo Jacomino Canhoto. Ainda em 1927, Armandinho iniciou seus trabalhos na Rádio Educadora Paulista, mudando-se para a Rádio Record no ano seguinte. Fez parte de alguns grupos musicais e regionais, tendo se apresentado com Os 8 Turunas e os Batutas Paulistanos.
Nessa época Armando Neves ainda trabalhava como funcionário público, na qualidade de servente-contínuo-porteiro, aposentando-se em 1955 “por antiguidade”. Mas até 1931 ele ainda criaria os Chorões Sertanejos, ao lado de Raul Torres, grupo que teve entre seus integrantes outro grande violonista: Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto.
Em 1931 a Rádio Educadora Paulista, em conjunto com o jornal A Gazeta, organizou o Primeiro Concurso de Música Brasileira. Esse concurso, com votação pública atualizada diariamente, tinha diversas categorias, entre elas a de solista de banjo (na qual receberam votos, entre outros, Garoto e Zezinho) e de violão (tendo Armandinho e Larosa Sobrinho entre os mais votados). Armandinho ficou em segundo lugar com mais de 40 mil votos, dando-lhe o direito de fazer parte do Segundo Conjunto Artístico Paulistano. Juntamente com três vencedores de outras categorias (Nabor Pires Camargo, Francisco Lima e Pinheirinho), formou o Regional da Record.
Regional da Record
Com esse grupo, Armandinho teria um dos períodos mais férteis de sua vida artística, aproveitando as oportunidades que o rádio propiciava, apresentando-se em vários programas diferentes. Nesse mesmo ano, apresentou-se no interior de São Paulo com o grupo do cantor Paraguaçu, o Verde e Amarelo. Fez diversas aparições também acompanhando cantores como Helena Pinto de Carvalho e Januário de Oliveira e tocando ao lado de grandes violonistas, entre os quais Zezinho e Benedito Chaves (o “Guru”), demonstrando excepcional versatilidade como músico.
Em 1938 tocou no Trio da Record juntamente com mais dois dos melhores violonistas brasileiros, Zezinho e Antonio Rago (que teve sua primeira experiência no rádio por intermédio de Armandinho). Com eles, acrescido de Ernesto (flauta) e Sute Penosa (ritmos), formou o Regional da Record, que se tornou posteriormente conhecido como Regional do Armandinho. Ele foi um dos poucos músicos dessa época que não se mudaram para o Rio de Janeiro, onde as oportunidades com as rádios eram bastante variadas e as oportunidades culturais eram as maiores do Brasil.
Outro aspecto importante de Armandinho é sua relação com outros músicos que o admiravam. Sua casa, no bairro do Glicério, em São Paulo, sempre foi ponto de encontro de músicos como Vital Medeiros, Garoto, Geraldo Ribeiro e Rago, sendo que alguns deles iam exclusivamente para ouvir Armando Neves tocar e para escrever partituras dessas músicas.
Entre 1954 e 1955, Armandinho participou do I e II Festival da Velha Guarda, em São Paulo, criado por Almirante, ao lado de Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Baden Powell, Inezita Barroso e Januário de Oliveira. Nesse ano de 1955, aposentou-se de seu emprego como funcionário público e, em 1961, aposentou-se da Rádio Record.
Fases de compositor
Graças aos esforços e à perspicácia de violonistas admiradores de Armando Neves, que transcreveram ou arranjaram suas músicas de ouvido, além de citações de jornais, sabemos que Armandinho compôs 76 composições, tendo sido catalogadas por Olavo Nunes Rodrigues, que Paola Picherzky, biógrafa de Armandinho, divide em três fases: a primeira entre 1925 e 1928, a segunda entre as décadas de 1930 e 1940 e a terceira, de 1950 a 1973 (ano de sua última composição).
Pinheirada, uma de suas músicas mais conhecidas (composta com João Pernambuco, assim como o choro Serrano), pertence à sua produtiva primeira fase composicional. A última fase – importante por preservar grandes músicas do repertório do violonista – corresponde ao período justamente posterior à sua aposentadoria da rádio e do emprego público e ao seu envolvimento com Vital Medeiros e Geraldo Ribeiro, que transcreveram várias de suas músicas. Aymoré, Alfredo Scupinari e Francisco Araújo também foram importantes pelos contatos com Armandinho e pelo resgate de sua obra.
Canários e pintura
Após sua aposentadoria, Armandinho passou a dedicar-se a dois hobbies, até a sua morte em 1976 (de infarto do miocárdio): criação de canários e pintura. Em 1970 Geraldo Ribeiro gravou o célebre LP Armandinho, com 12 composições de Armando Neves e em 1978 foi lançado pelo Clube do Choro outro disco em homenagem ao compositor – Armandinho Neves –, tendo suas obras interpretadas por Vital Medeiros e outros grandes violonistas.
Após esse período, apesar dos esforços de seus antigos admiradores, seu nome ficou esquecido até que Paola Picherzky defendeu uma dissertação de mestrado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e lançou em 2004 o CD 18 Choros de Armando Neves, enquanto o violonista escocês David Russell gravou Choro n.2 no disco Sonidos Latinos, fazendo justiça a este que foi um dos maiores nomes do violão brasileiro e apresentando seu nome para as novas gerações de violonistas em todo o mundo. Ciente de seu valor como músico e compositor, Armandinho deixou os direitos autorais de todas as suas composições – por testamento – ao asilo Ondina Lobo.
Links
Bibliografia
PICHERZKY, Paola. Armando Neves – Choro no Violão Paulista. Dissertação de mestrado em artes. UNESP. 2004.
NUNES, Rodrigues. Armandinho: Chorão Paulista, Coração Brasileiro. Artigo. Urubú Malandro. Agosto de 1978)
Discografia
Paola Picherzky - 18 Choros de Armando Neves (independente, 2004)
Paola Picherzky - Armando Neves: outras composições (Independente, 2015)
Armandinho (1970, Fermata) (Geraldo Ribeiro)
Armandinho Neves (1978, Clube do Choro) (Vários artistas)
Sonidos Latinos (gravação do Choro n.2) (2009, Telarc) (David Russell)
Composições de Armando Neves (título e data de composição)
1. Choro 1 – Erudito
2. Choro 2
3. Choro 3
4. Choro 4
5. Choro 5
6. Choro 6
7. Choro 7
8. Choro 8 - Bem Rebolado
9. Choro 9
10. Choro 10
11. Choro 11 - O dono da bola
12. Choro 12 - Guru
13. Choro 13 - Doloroso
14. Choro 14 - Galho Seco
15. Choro 15 - Quebrando o galho
16. Choro 16- Pinheirada (parceria com João Pernambuco)
17. Choro 17 – Serrano (parceria com João Pernambuco)
18. Choro 18 - Recordando Nazareth
19. Valsa 1
20. Valsa 2
21. Valsa 3
22. Valsa 4 - Valsa brasileira
23. Valsa 5
24. Valsa 6
25. Valsa 7 – Segredo (parceria com Elpídio dos Santos)
26. Valsa 8
27. Valsa 9
28. Valsa 10
29. Valsa 11 – Realidade (parceria com Elpídio dos Santos)
30. Valsa 12 -Noite triste
31. Valsa 13 - Mathilde
32. Valsa 14
33. Valsa 15 - Rosas orvalhadas
34. Valsa 16 - Colibri
35. Valsa 17 - Sempre no meu coração
36. Valsa 18 - Soluços de virgem
37. Valsa 19
38. Valsa 20 - Longe dos olhos (parceria com Elpídio dos santos)
39. Valsa 21- (gravação não encontrada)
40. Valsa 22 – Encanto (partitura não encontrada)
41. Valsa 23 Obra apenas citada nas anotações de Olavo, não havendo nenhum registro.
42. Prelúdio 1
43. Prelúdio 2
44. Prelúdio 3
45. Prelúdio 4
46. Prelúdio 5 - Motivo catalão
47. Prelúdio 6 - Uma prece
48. Prelúdio 7
49. Prelúdio 8
50. Canção 1
51. Canção 2 - Canção para adormecer
52. Canção 3 -Canção para adormecer
53. Canção 4 - Cantiga de ninar
54. Gavota 1
55. Gavota 2 - Tempo de Gavota
56. Elegia - Improvisando
57. Maxixe 1
58. Maxixe 2 - Mafuá
59. Cantiga 1
60. Cantiga 2
61. Mazurca 1
62. Mazurca 2 - Velhos Tempos
63. Mazurca 3 - Mara
64. Mazurca 4
65. Mazurca 5 - Velery
66. Mazurca 6 - Sandra
67. Estudo 1
68. Tarantela 1
69. Divertimento
70. Guarânia
71. Pericón - Dança do Sul
72. Polca - No tempo das anquinhas
73. Toada –Baião - Flor da Saudade
Das composições a seguir encontramos referências porém não encontramos as partituras ou gravações:
74. Gemidos de um coração – consta como composição de Armandinho em um programa de concerto realizado no salão da Sociedade Cadima, em São Paulo, no ano de 1931. Arquivo Armandinho.
75. Diante da própria cruz: parceria com o compositor Vicente Lima. Documento escrito de próprio
punho, portanto não oficial, de cessão de direitos autorais. Arquivo Armandinho.
76. Saudade Venenosa: idem.
77. Carreteiro: parceria com Elpídio dos Santos, da qual encontramos apenas a letra. Arquivo Armandinho.
78. Mulher desprezada: documento oficial de cessão de direitos autorais, 1931. Arquivo Armandinho.
79. A Turma é bamba: documento oficial de cessão de direitos autorais, 1931. Arquivo Armandinho
80. Falando sozinha: documento oficial de cessão de direitos autorais, 1931. Arquivo Armandinho
81. Como é lindo o teu olhar (valsa)
82. Linda e cruel (canção)
83. Paraíso dos sonhos (valsa): estas três peças constam de um programa radiofônico exclusivo com composições de Armandinho